sexta-feira, 25 de dezembro de 2009


O POVO QUE COMPRA CANETAS

Transferia-me de uma cidade para outra e o fazia de trem. A paisagem interna era mais interessante do que aquilo que corria desenfreado lá fora. Um vendedor ambulante anunciava canetas. Várias por um vintém. E o povo comprava. Comprava. Comprava. Em segundos o estoque sumiu. Fiquei a imaginar. Que país sensacional é esse que todos sabem ler e escrever. Que todos são letrados. Que todos compram canetas.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009



A BUSCA DO POETA LOUCO



Não se vai aqui questionar em que nível chegou a loucura do poeta.
Enlouqueceu simplesmente.
Sem estágios intermediários,
sem meio-termo, sem ameaças, sem faz de conta.
Pirou. Pinel. Charcot.
Virou as costas e saiu andando.
Deu de ombros.
Desdenhou nossa razão e se foi.
Partiu.
Sem eira foi ali pela beira.
Marginal se ausentou da realidade.
Talvez dissesse que ia atrás de Zaratustra,
em busca do mito da caverna,
participar da guerra do fogo,
no encalço do santo graal,
percorrer a estrada de tijolos amarelos,
encontrar o caminho do Eldorado.
Definitivamente não vamos aqui tergiversar
nem usar de subterfúgios para melhorar a fama do poeta,
nem vamos preservar sua imagem,
livrar-lhe a cara,
tirar-lhe o... da reta,
salvar-lhe a pele,
aninhá-lo nos braços e niná-lo.
Não, não vamos não.
O poeta enlouqueceu e pronto!
Dispensa-se o eletro choque,
o sossega leão,
a camisa-de-força,
o cloridrato de fluoxetina,
o ficar de bem dando o dedinho.
Dispensam-se as mensagens de condolências,
as coroas de flores,
os epitáfios,
as tele-mensagens,
os telegramas cantados,
as olas da torcida,
as voltas olímpicas,
os jogos de despedidas.
O poeta enlouqueceu e é só!
Não deixou testamento,
bens a inventariar,
penduras no boteco,
livros no prelo,
cartas para serem abertas depois.
Não legou herança, esperança, crianças
nem lembranças...
O poeta ficou de saco cheio e irmanou-se com a insanidade
e na sua idade
isto foi fundamental.
Tirou o cavalinho da chuva,
o burro da sombra,
desencostou do barranco,
deu bom dia pra poste.
Que não venham com nome de rua,
praça ou avenida,
não precisa,
nem enredo de escola de samba,
não componham hino, nem acústico, nada...
O poeta enlouqueceu...

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Limitações



São bípedes,
Mamíferos e sociáveis.
Às vezes propõem diálogo.
Possuem massa encefálica,
mas falham.

São humanos,
Espíritos e almas.
Às vezes ameaçam razão.
Têm o hardware,
Falta-lhes o software.

Seios


Hoje saí para ver seios,
para ver peitos,
para ver mamas
e todos eles pareceram me ver.
Uma miríade deles se me apresentaram,
pelas calçadas me diziam olá!
Um desfile interminável de bondades.
Todos a me sorrir a me pedir.
Como criança faminta
sentia a água na boca.

Hoje saí para ver seios
e como vi.

sexta-feira, 3 de abril de 2009



INQUIETAÇÃO

Desassossego.
Se escreve com tantos "esses"
que o sibilar muito inquieta.
O poeta está assim.
Perdido,
com um pé só calçado.
Uma das mãos no bolso.
Um dos olhos fechados.
À deriva pelo calçamento das ruas vazias.

Seu caminhar é titubeante.

E assim prossegue o poeta.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Algo que ocorreu a noite e que me acompanhou por todo o dia



UM SONHO APENAS

Nessa madrugada,
quando o dia vem extorquir a noite,
tive um sonho perturbador,
inconfessável em certos momentos,
triste em outros,
angustiante no resumo.
Um sonho apenas.
Capaz de vir e atingir,
assim como que de propósito,
levando as últimas reservas de alegria.
A nitidez das feições era impressionante,
o som das vozes,
paralisante.
E fui me deixando dirigir,
numa peça de teatro bufão,
onde o final já havia sido ensaiado.
Não tinha graça conhecer o final,
triste epilogo que não me preservava,
ao contrario,
me expunha a todo o público,
e todo o público era eu.

Um sonho apenas,
bastou para me intrigar o dia todo,
levando meus pensamentos cativos e cerrados,
impedindo que fosse feliz.

Um sonho apenas,
suficiente para viajar ao passado
e desarmado de qualquer esperança,
assistir uma segunda Hiroshima.
A minha Nagasaki.
A minha explosão.

Um sonho apenas.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Para onde vão os sentimentos?



Nutri tanta afeição
e o objeto escafedeu-se.
Partiu.
Se foi.
Partiu-se.

Aí fiquei eu e esse emaranhado.
Gato brincando com novelo de lã.
Bebado despencando do tobogã.
A mão ávida por carinhar
e ela não ocupava mais o mesmo lugar no espaço.

Desejante.
Vontade de potência.
Pensando o impensável.
Cachorro caido do caminhão de mudança.
Marinheiro sem bussola ou estrelas.

Para onde vão os sentimentos
quando o objeto de nosso afeto se vai?

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Então ficamos assim!


Então ficamos assim
Eu e essa natureza morta
que teus longos dedos pintaram na tela.
Pelo video vitreo de teus olhos.
O teu tapete ainda está na sala,
sobre ele teus chinelos,
sobre eles tua ausência
e sobre ela o meu pesar.

O trem ainda passa no mesmo horário
mas você não está no ultimo vagão a me acenar.
Não ter-te a ver-me me mata.

Então ficamos assim.
Você foi por outros braços
e eu tive que crescer muito rápido.
Tudo aqui retorna até ti
e nesse retorno envelheço setecentos anos.

"...Amor nenhum tem tal poder
de provocar recordações.
Bastou te ver mais uma vez
para saber
que não passou..."
.


Então ficamos assim!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Necessito urgente de uma manicure!



NECESSITO URGENTE DE UMA MANICURE

Necessito urgente de uma manicure!
Que eu não precise marcar horário,
pois todos os horários serão meus.
Que me receba à porta,
que me sorria e me faça adentrar.
Que repouse minhas mãos sobre as coxas,
que me olhe nos olhos
e diga que não vai doer.

Necessito urgente de uma manicure!
Que tire bifes somente da geladeira
que me pergunte como foi meu dia,
que me acenda os cigarros,
me prepare as bebidas
e de forma sugestiva fique olhando pra rede.

Necessito urgente de uma manicure!
Que diga que Eles não mais virão,
que os tempos serão benfasejos
e a nosso favor.
Que as flores que mandei estejam nos vasos.
E que toda a tarde seja de risos e rubores.

Necessito urgente de uma manicure!